Operação Barbour da Polícia Federal e a punição das vítimas.

Na segunda-feira, dia 26/11, os noticiários estamparam a deflagração da Operação Barbour pela força tarefa composta pela Polícia Federal, Ministério Público Federal, Coordenação de Inteligência Previdenciária, Instituto Nacional do Seguro Social e Advocacia-Geral da União.

A operação foi o resultado de um inquérito policial instaurado em junho de 2018, após a PF receber informações de inteligência da Secretaria de Previdência Social, que havia detectado inconsistências nos pedidos de aposentadorias em uma agência do INSS em Diadema.

De acordo com o noticiado, a fraude consistiria na apresentação de um Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP com informações falsas na agência do INSS com o objetivo de se obter o enquadramento em atividades especiais com o fator de conversão de tempo especial em tempo comum para o efeito de se alcançar a aposentadoria por tempo de contribuição antes do tempo.

Para a PF, os trabalhadores beneficiados responderiam criminalmente.

Já o INSS, começou a enviar notificações para todos os trabalhadores que se supostamente teriam se aposentado nas condições investigadas na Operação, com o objetivo de cancelar as suas aposentadorias e de lhes cobrar todos os valores recebidos a título de proventos.

COM A PALAVRA, A DEFESA

Nos últimos dias, recebi muitos contatos de pessoas atemorizadas que receberam a mencionada notificação do INSS e que ouviram as declarações da PF. Desde então tenho conversado com muitas delas e analisado documentos e informações que me foram passadas.

Que houve a fraude em alguns casos, parece indiscutível.

O ponto é: isso significa que todos esses trabalhadores devem ser socialmente estigmatizados e punidos?

Me parece que não.

A PUNIÇÃO DAS VÍTIMAS

Conversei com trabalhadores que dedicaram, em média, quase 35 anos de suas vidas a serviço de importantes instituições públicas e privadas e que possuem uma biografia profissional imaculada. Pessoas que me transmitiram verdade e dignidade.

As informações e documentos que me foram apresentados revelam que muitos destes trabalhadores não tinham conhecimento dos atos ilícitos praticados.

Isso seu deu porque essas aposentadorias foram requeridas por meio de uma assessoria previdenciária, que os convenceu de que o ordenamento jurídico vigente lhes conferia direito a um acréscimo no tempo de serviço.

Juntamente com uma procuração, foram fornecidos pelos trabalhadores à dita assessoria imobiliária documentos e informações verdadeiras, que, ao que tudo indica, foram posteriormente modificados por iniciativa unilateral da assessoria sem o

consentimento dos segurados.

Com a procuração, todo o procedimento de concessão da aposentadoria, desde o requerimento até a juntada de documentos e informações, foi realizada pela assessoria previdenciária.

Os segurados receberam a Carta de Concessão de suas aposentadorias, na qual o próprio INSS apenas informa que os trabalhadores haviam cumpridos todos os requisitos para a concessão do benefício previdenciárias, sem prestar, entretanto, maiores informações sobre como esses requisitos foram alcançados.

Essa dinâmica permitiu que muitos trabalhadores acreditassem, de verdade, que tinham direito ao benefício e, então, dele passaram a usufruir.

Muitos se desligaram de seus empregos e passaram a viver apenas dos proventos de aposentadoria, ou, então, passaram a ter o benefício como principal fonte de renda fixa, garantidora do sustento de suas famílias.

Os trabalhadores que não sabiam da fraude não são estelionatários como quer fazer crer a PF, e sim vítimas do estratagema montado pelos integrantes da tal “assessoria imobiliária”. São trabalhadores, pais, mães, filhos, maridos e esposas que há dias perderam a paz de espírito pela expectativa de serem punidos por algo que, efetivamente, não fizeram e de terem seus nomes e suas imagens manchadas por um mal que não praticaram.

São pessoas que estão vivendo a terrível expectativa de ficar sem a aposentadoria e, alguns, sem o emprego (de décadas) que a precedeu (já findado em razão da jubilação).

Por tudo isso, a pretensão do INSS de obrigar esses trabalhadores a devolver os valores que receberam significa punir as vítimas e não encontra amparo no ordenamento jurídico. Para que esses trabalhadores sejam obrigados a devolver os valores recebidos não é suficiente a constatação de irregularidades na concessão de seus benefícios, sendo imprescindível a prova da má-fé do segurando, consubstanciada no conhecimento da suposta fraude perpetrada, o que inexiste em muitos casos.

Há tempo os tribunais do país vêm adotando o entendimento majoritário no sentido da irrepetibilidade de valores recebidos a título de aposentadoria por beneficiário de boa-fé, dada a natureza alimentar dos benefícios previdenciários e a crescente valorização da boa fé nas relações jurídicas de direito público e privado.

Em relação à responsabilidade criminal pela fraude previdenciária, penso que ela se limita aos integrantes da tal “assessoria imobiliária” e de eventuais trabalhadores que prestaram consentimento à prática delituosa, mas de forma alguma pode ser estendida aos trabalhadores que não tinham sequer conhecimento da fraude, por faltar o elemento subjetivo imprescindível para a configuração dos tipos penais objeto da persecução penal em curso.

Imputar qualquer responsabilidade criminal a quem sequer sabia da fraude seria, mais uma vez, colocar a vítima no banco réus, o que não se pode admitir.

Queremos crer que as autoridade envolvidas na força tarefa irão agir com cautela e equilíbrio, a fim de preservar a reputação de dezenas de trabalhadores que foram vítimas na fraude e não podem, sem que haja indícios mínimos de seu efetivo conhecimento e colaboração para a fraude, serem tratados como criminosos.

Alex Tinoco

Advogado especialista em Direito Previdenciário inscrito na OAB/RJ sob o nº 183.184. Sócio fundador do escritório Tinoco Advogados.